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Comer pelas beiradas

Comer pelas beiradas

Quando servia sopa às crianças, minha mãe advertia: comecem pela beirada pra não queimar o bico. Comer pela beirada é o que fazemos ao consultar a internet a pretexto de qualquer assunto. Muita gente se informa dessa maneira e esnoba quando expõe ideias como se fossem próprias.

Conheço quem abandonou curso de engenharia no primeiro semestre afirmando que os professores são babacas, ensinando tudo o que ele já sabia. De tanto ver filmes sem dublagem na TV a cabo, considera-se poliglota.

Alguns conseguem superar deficiência de conhecimentos de base com algum tipo de habilidade, como Manoel de Barros e Cora Carolina. Exceções, naturalmente. O mais comum nesses casos é viver sem viajar, sem grandes emoções. Lá pelas tantas ficam vendo novela na televisão, geralmente as mulheres, ou jogando dominó na praça, os homens.

Os mais “cultos”, por sua vez, esnobam a televisão e passeiam de iate, mergulham nos festivais de qualquer coisa, viajam pelo mundo na primeira classe, e por aí afora.

Mesmo se aprofundando nos assuntos de seu interesse, às vezes não conseguem conciliar seus doutos conhecimentos com uma vida saudável e honesta.

Em sua mania por grandeza, ou por querer ser diferente das pessoas medíocres, acabam em depressão e se afundam em vícios de cura difícil.

Graças a essa mistura social proporcionada pelas grandes cidades, frequento desde os shoppings mais chics até os clubes mais humildes. Ora tomo cafezinho no Pátio Higienópolis, ora tomo pinga com qualquer nordestino no mais sórdido boteco do Bexiga.

Sou sócio de ótimo clube onde faço Pilates, e frequento o Centro de Tradições Nordestinas, no bairro do Limão, tudo às vezes num mesmo dia.

Qual burguês entediado, faço conscientemente essas experiências para tentar entender alguma coisa.

Confesso que ainda não entendi. Continuo comendo pelas beiradas.

Jornalista profissional desde 1962, quando começou na Última Hora, Recife. Seu último emprego foi como assessor de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, onde ficou 21 anos. Antes, trabalhou em duas outras assessorias de imprensa: Siemens e Unibanco. Já havia passado por diferentes experiências como repórter e redator na Editora Abril, O Estado de S. Paulo, Diário do Grande ABC, A Gazeta e Diário do Comércio e Indústria. Escreveu três livros: "Pois não, Doutor". sobre o HC; "Viver Tem Remédio", crônicas, e "As Boas Lembranças da Luta", em que repassa acontecimentos ligados a efêmeras atividades políticas. Foi casado durante 10 anos, tem dois filhos e seis netos.

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