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Refletindo sobre o ato da leitura

Refletindo sobre o ato da leitura

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Algo chamou-me a atenção após ler uma pesquisa feita pelo g1.globo.com, publicada em 18/05/2016, na página direcionada à Educação, com o seguinte título: “Kéfera empata com Machado em lista de autores, diz pesquisa.” E subtítulo: “Youtuber  e Imortal tiveram mesmo número de citações como autor dos últimos livros lidos pelos entrevistados. Ibope fez a pesquisa para Instituto Pró-livro.”

Kéfera Buchmann, youtuber brasileira,  pertence a lista dos autores mais citados, para a 4ª edição da pesquisa Retratos de Leitura no Brasil. Eu não a conhecia, nem sua obra, e ainda menos seus vídeos, assim, fiz uma busca rápida sobre esses conteúdos. Em apenas poucas horas, consegui inteirar-me sobre todo o conjunto dessas informações.

A princípio, fiquei  analisando o porquê  desta pesquisa estar na área destinada à Educação, talvez seria mais pertinente que estivesse na área de entretenimento, pois  segue mais a linha de Comportamentos do que a  de Educação. Outro ponto também de análise foi como se deu essas entrevistas? Se elas foram direcionadas a pessoas em lugares diversos, ou a um específico, como:  Shoppings , faculdades, escolas,  ruas etc,  pois vejo esse ponto como um fator muito relevante. E qual a faixa de idade dessas pessoas que foram ouvidas?

Segundo o jornal G1, “a metodologia da pesquisa considera como leitor, aquele que leu inteiro ou em parte, pelo menos um livro nos últimos três meses.” Ora, fiquei  perguntando–me  sobre o que é ser leitor afinal? Alguém que folheia algumas páginas do jornal e que se prende em horóscopo é um leitor? Uma pessoa que leu somente um livro é um leitor?  Um funcionário de cartório, que em seus intervalos lê algumas partes  de um ou outro livro de Lair Ribeiro, é considerado leitor? E um professor de literatura, que  simplesmente lê e indica os livros aos seus alunos também é? Como professora de Língua Portuguesa e Literatura, continuei a indagação: Quais seriam  então  os critérios para que uma pessoa possa ser considerada como leitor e não leitor?

Mediante todos esses questionamentos, senti a necessidade de  continuar a pesquisar sobre  a formação de leitores e ainda sobre cultura, visto que foi citado na pesquisa  do referido jornal que Kéfera empata com Machado de Assis. E nessa busca, deparei-me com um artigo publicado por Carlos Alberto Gianotti, no Jornal Rascunho, em 22 de fevereiro de 2015, com o título: Afinal, o que é ser leitor? A introdução diz o seguinte:

“Em seu recente livro A civilização do espetáculo (Objetiva), Mário Vargas Liosa é concludente: vivemos um tempo de banalização da cultura, um tempo de metamorfose daquilo que se entendia por cultura, na época em que era alimentada e preservada por uma elite (cultural) e ela mesma se destinava. Diz Liosa que essa concepção de cultura inapelavelmente acabou, e que estamos em plena civilização do espetáculo, do entretenimento fútil, do falatório mediante vocabulário glamourizado e da irrelevância da criatividade estética. Seguindo se um pouco além por esta trilha do Nobel peruano, pode-se perceber a mencionada especularização também na atividade empresarial, educacional escolarizada e na esportiva amadora ou profissional. Enfim, bem se analisando, constatar-se-á que tudo se move visando um espetáculo sempre alimentador de vaidades[,,,].”

Dentro desse contexto de Liosa, é fácil perceber que devido a essa metamorfose  houve uma mudança de forma dos conceitos relacionados a cultura, o mundo moderno fez com que tudo se tornasse líquido, alguns sociólogos  afirmam que estamos na pós-modernidade, ou modernidade líquida, como diz  Zigmunt  Bauman , sociólogo polonês, Uma das principais características dessa modernidade é a fluidez, ele trata de liquidez como algo que lembra a leveza, e esta  a mobilidade, uma sociedade que está em constante transformação e que facilmente se adequa a ela. Outra característica é a efemeridade, aquilo que é volátil com pouca duração é assim que ele trata dos laços sociais, da sociedade pós moderna/líquida, estima-se que daqui a três gerações a palavra” sempre” pode ser considerada arcaica.

O filósofo Lipovesk faz uma relação entre as duas sociedades, “Pensadores x Passadores”, na modernidade, período onde a ciência se incluía como um  meio de transformar  o mundo, as pessoas liam livros pela simples obtenção de conhecimento, afim de elevar o espírito crítico , promover uma reflexão, hoje na sociedade pós-moderna, as pessoas não têm mais tempo para pensar ou refletir, elas caminham para o  mesmo alvo, de qualidade de vida e bem-estar, os livros passaram a ter títulos assim:  “Como surpreender seu marido em 12 dias”, “Como se surpreender”, “Como enriquecer em 30 dias” etc. Sabemos que as tecnologias e a globalização contribuíram e muito para tal transformação.

Desta forma, precisamos repensar em novas metodologias ao se realizar uma pesquisa, pois o empate divulgado pelo Jornal G1, entre Kéfera e Machado, não seguem a mesma categoria, seja no âmbito de gênero literário, nem de público. O direcionamento tem que ser pontual, por exemplo, se fizéssemos uma pesquisa em escolas e faculdades, com certeza, a “youtuber” talvez não seria citada, já se fosse realizada entre jovens, nas ruas, talvez Machado também não passaria nem perto dela. Afinal, quem fora da vida estudantil ou acadêmica se interessa por literatura ou romance? Talvez pouquíssimas pessoas. O que a pesquisa utilizou como padrões de referência, estilo e cultura? Por exemplo, na Literatura brasileira existem obras que podem ser consideradas cânones, mas para isso precisam preservar uma estrutura de valores, considerada como fundamental ao indivíduo e ao grupo, e estes valores estão inseridos dentro de normas, para que se possa guiá-las.

Diante dentro contexto fica difícil descobrir respostas representativas a essas e outras indagações que incitam a nossa curiosidade. E  com isso percebemos que há uma certa visão “multicultural” que vem permeando e mostrando um reflexo hitórico-cultural de um povo como objeto de representação social.

Formada em Letras e Mestranda em Linguística pela Unifran, professora na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. É também professora de redação da Contexto - Cursos Preparatórios e Idiomas.

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