Novamente o aplicativo de mensagens WhatsApp foi bloqueado pela justiça brasileira e pelas mesmas razões: não fornecer à justiça os dados sobre um grupo de usuários sob investigação. Esse caso, recorrente, mostra a distância entre a sociedade moderna, com seus recursos tecnológicos e estratégias de sobrevivências, e os arcabouços legais e regulatórios que tentam organizar suas ações. Recentemente aprovamos o Marco Civil da Internet, que foi um passo importante para a regulação do mundo digital sem, contudo, criar limites às liberdade e neutralidade da rede mundial. Essa liberdade é que permitiu criarem produtos e serviços antes inimagináveis como o Uber, o Google, o Facebook e outros tantos que periodicamente revolucionam nossas vidas.
Todo esse dinamismo da Internet, que é apropriado pela sociedade, não é acompanhado pelo governo e pela legislação. O nosso Marco Civil da Internet não servirá de nada se os operadores da justiça não forem competentes para tipificarem corretamente os atos e medirem as repercussões de suas ações punitivas. Ainda temos arcabouços legais e procedimentos jurídicos do século passado.
Atos ilícitos praticados pela Internet são, por excelência, atos transfronteiras. Nunca sabemos ao certo onde os dados e os computadores estão na rede mundial. As empresas hospedam seus computadores e seus dados em países diferentes buscando menores preços e melhores condições de qualidade dos serviços. Nesses países as regras e leis podem ser tais que dificultam a ação investigativa promovida por um outro país interessado. No caso do WhatsApp, seus dados estão armazenados em computadores americanos sob a proteção de uma lei que impede empresas americanas de divulgarem para outros países seus dados. O fato do serviço ser usado por brasileiros não quer dizer que a empresa exista no Brasil, mas apenas que os usuários brasileiros usam um serviço disponibilizado na Internet por uma empresa que pode estar em qualquer lugar do planeta (que tenha acesso à Internet).
Outra característica, que deve ser levada em conta pelos legisladores e magistrados, é a inovação em modelos de negócio desses novos serviços. O WhatsApp não cobra do usuário pelo seu uso. Suas receitas são geradas pelo fornecimento de perfis dos usuários a empresas de marketing digital. Esses perfis estes construído ao longo de semanas e meses de uso e tratados por ferramentas de análise estatística. Bloquear o WhatsApp por pouco tempo não pune a empresa, porque ela não tem perda de receita com esse bloqueio e os perfis gerados não são afetados com paradas de alguns poucos dias. Por outro lado, esse bloqueio prejudica milhões de brasileiros que deixaram de ter acesso a uma importante ferramenta de comunicação e de negócios. Além desse prejuízo ainda expomos nossa incapacidade de entender o impacto e a importância da tecnologia no mundo moderno. Apenas para exemplificar, se durante as 24 horas que o serviço foi bloqueado cada um dos cem milhões de usuários brasileiros tivessem feito uma ligação telefônica convencional, no valor de R$1,00, o prejuízo causado à sociedade terá sido de R$ 100 milhões em apenas um dia!
Resumindo a ópera, precisamos capacitar os operadores da justiça para que entendam o funcionamento dos negócios sobre a Internet. Precisamos criar, ou preparar, instâncias internacionais de investigação e até de julgamento para atuarem em crimes que ocorreram com o uso de Internet. A tecnologia impacta as relações humanas, os negócios e os governos. Precisamos entender esse impacto antes de legislarmos e julgarmos as ações que correm no mundo digital.