Nota do Editor
- Quando descansar parece um luxo e mostrar-se produtivo virou obrigação. A entrevista de Cristina Moraes é uma bofetada de lucidez. Ao lado de Marcio Atalla, ela nos lembra que o verdadeiro bem-estar não cabe em métricas de aplicativos, nem em stories que falsificam corridas.
Em um mundo que idolatra a produtividade e transforma autocuidado em performance, Cristina Moraes, especialista em esportes e saúde, desmonta o mito da multitarefa, questiona a falsa liberdade digital e expõe como nossos estilos de vida modernos corroem a saúde mental, o convívio familiar e até a longevidade.
Em entrevista ao “Sem Atalho”, conduzida por Marcio Atalla, Cristina revela como o excesso de estímulo e a incapacidade de impor limites viraram veneno cotidiano.
Sua mensagem vai além do esporte: ao conectar performance corporativa e resiliência esportiva, especialmente em provas como trail running e ultramaratonas, Cristina mostra que o equilíbrio real não cabe em métricas de aplicativos ou feeds de redes sociais, mas nasce da desaceleração consciente e das escolhas que resgatam o tempo livre.
Sem fórmulas prontas ou métricas de aplicativos, ela defende que o verdadeiro caminho para uma vida saudável passa por recuperar o tempo livre. Aquele que já nem é mais reconhecido como tal, soterrado por cursos online, rotinas de limpeza e o vício de “mostrar que se está fazendo algo”.
Diferente de só correr maratonas ou seguir planilhas, Cristina convida à desaceleração como um gesto de resistência e sanidade.
“No tempo livre, a gente vai ao mercado ou faz faxina. E chama isso de descanso.” Poderia ser apenas mais uma crítica comum à rotina atribulada. Mas ela não para por aí. O que Cristina faz, com lucidez desconcertante, é revelar como confundimos produtividade com bem-estar, lazer com obrigação e o ato de viver com o de parecer estar vivendo.
“Hoje em dia, você não pode nem assistir um jogo de futebol sem o celular na mão. A atenção se perdeu.”, reforça o entrevistador Marcio Atalla, reconhecido nacionalmente por seu trabalho em promover hábitos saudáveis de forma acessível e realista.
“A gente criou o hábito de estar sempre disponível. A ferramenta não é o problema. Somos nós.”, explica o também apresentador dos programas como Medida Certa (TV Globo) e Você Mais Saudável, que busca trazer informação de base científica ao público. Com linguagem direta e crítica à cultura da dieta imediatista, Atalla atua como ponte entre ciência e cotidiano, desmistificando mitos sobre bem-estar e mostrando que saúde vai muito além da balança.
“A gente virou multitarefa por obrigação, mas o ser humano não é multitarefa. Ele alterna a atenção. E, nisso, o foco se perde, o corpo adoece.” Cristina alerta para a epidemia silenciosa do burnout, da ansiedade crônica e da insatisfação permanente. E tudo isso no meio de milhares de aplicativos que prometem exatamente o contrário.
O tempo livre que já não existe
A denúncia mais potente talvez seja a mais simples: hoje, ter tempo livre virou sinal de fracasso. “Parece que dizer não é admitir derrota”, ela aponta. E complementa: “Até descanso virou performance. O fim de semana livre é preenchido por pós-graduações online e simulações de produtividade.” Não à toa, ela se diz assombrada por um dado recente: já existem aplicativos como o “Fake My Run”, que falsificam corridas para gerar posts de Instagram.
Na lógica da sociedade da performance, até o lazer virou palco de exibição. E isso, segundo Cristina, é perigoso. “A gente está falsificando até o que seria para aliviar o estresse. Correr virou um palco, e o descanso virou um luxo malvisto.”
Planejamento, limite e verdade
A resposta não está nos gadgets, mas na autogestão radical do tempo. Cristina afirma que o segredo está em observar a própria rotina como se fosse um diário alimentar: “O que você faz com seu tempo? Onde está seu descanso? Seu tempo livre é realmente livre?”.
Ela própria compartilha rituais simples que redefiniram sua qualidade de vida: acordar no mesmo horário, tomar café sem pressa, não marcar nada aos sábados à tarde. “É sagrado. E culpa zero.”
O entrevistador, Marcio Atalla, complementa: “Quando alguém diz ‘nossa, já estamos em julho!’, pra mim, é sinal de que essa pessoa está sem tempo de descanso, sem perceber o tempo passar”.
Família, lazer e presença real
A entrevista também resgata o valor do tempo com a família como escolha consciente de estilo de vida. Cristina traz o exemplo de Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, que estimularam os filhos a praticar vôlei para que hoje possam jogar juntos. Sem competição. Sem medalhas. Só convivência.
Esse conceito simples, mas revolucionário, aparece com força em sua fala: “A felicidade sozinha não tem o mesmo gosto. Se a sua conquista te afasta dos seus, que tipo de vitória é essa?”.
Apenas uma pausa
No fim, a reflexão mais poderosa talvez seja a mais difícil de aceitar: viver bem é renunciar. Cristina desafia a lógica da hipervida e propõe uma substituição radical: trocar o mais pelo suficiente, o mostrar pelo sentir, o controle pela calma.
“Não espere que o mundo vá te dar limites. Quanto mais disponível você estiver, mais vão te pedir. É você que precisa se preservar”, ela conclui. Em tempos de falso bem-estar digital, Cristina Moraes nos lembra que o verdadeiro estilo de vida saudável não cabe num feed, ele começa quando a gente finalmente desacelera.