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Enquanto tudo escurece a escrita permanece com a vela acesa

Enquanto tudo escurece a escrita permanece com a vela acesa

Nota do Editor

  • Esta reportagem cumpre um dever incontornável: expor a omissão de um país que evita reconhecer seus criadores mais intensos. José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue construiu uma obra monumental, fruto de disciplina, memória e entrega absoluta à escrita. Ainda assim, vive à margem dos circuitos oficiais de prestígio, longe das políticas que sustentam quem faz cultura com profundidade. Ao registrar sua presença ativa e sua produção contínua, esta publicação rompe o silêncio conveniente e aponta para uma dívida concreta. Não se trata de homenagem. É um alerta. Uma exigência de justiça.

“Escrevi para não morrer.”
A frase é do próprio José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. Não foi dita para comover. Nem para ser estampada em camisetas. Era literal. E segue sendo.

Neste mês, no dia 22 de julho de 2025, Ryoki completa 79 anos. O autor mais prolífico da história da humanidade, segundo o Guinness World Records, vive com sérios problemas de saúde, longe dos holofotes e sem o reconhecimento institucional que sua trajetória justificaria.

O Brasil, mais uma vez, falha com um de seus maiores nomes. E faz isso não por ignorância, mas por escolha. Um país entorpecido pelo imediatismo, paralisado entre polarizações ideológicas, culturais e religiosas, que perdeu a capacidade de reconhecer valor onde não há grito, escândalo ou “curtidas dopaminadas”.

Nesse cenário anestesiado, o nome de Ryoki Inoue desaparece em silêncio. Aos poucos, empurramos mais um gênio ao esquecimento.

Ryoki escreveu mais de 1.200 livros publicados, em diversos gêneros e sob 39 pseudônimos americanizados por exigência das editoras. Nos anos 80 e 90, chegou a dominar quase todo o mercado nacional de livros de bolso. Hoje, vive recluso com dificuldades financeiras, apagado da cena literária e ignorado por políticas culturais que deveriam, ao menos, garantir sua dignidade básica.

Do bisturi à caneta: uma ruptura que cobrou caro

Inoue RyokiRyoki formou-se médico. Foi oficial da Força Aérea. Tinha estabilidade, carreira, futuro planejado. Escolheu abandonar tudo para escrever.

Em um país onde pensar é, muitas vezes, um risco, essa escolha teve consequências. Ele pagou com invisibilidade, precarização e abandono.

Ryoki escrevia com precisão técnica e disciplina militar. Estudava cada contexto: geopolítica, armamentos, dialetos, hábitos, mapas.

Seus livros não eram improviso. Eram produção industrial de qualidade, com ritmo de fábrica e profundidade de laboratório. Sua capacidade criativa e pesquisa chegou a ser duvidada. Assim como a de velocidade e produção até que um repórter do Wall Street Journal cruzou o Atlântico e comprovou, in loco, o que parecia improvável: Ryoki Inoue realmente escrevia livros inteiros em um único dia.

Não era lenda. Não era marketing. Era disciplina, café, tabaco e uma rotina obsessiva que incluía capítulos escritos no banheiro, romances completos finalizados em oficinas mecânicas, e até uma sequência de livros terminada em uma tarde de praia.

A reportagem de Matt Moffett, publicada em 1994, revelou ao mundo aquilo que o Brasil relutava em admitir: que o autor mais veloz do planeta morava em São José dos Campos, fumava cachimbo, escrevia com fúria operária e produzia mais do que o próprio mercado editorial era capaz de absorver.

O jornalista da famoso jornal americano não apenas ouviu falar. Ele foi até lá. Sentou-se ao lado de Ryoki em uma noite qualquer, em São José dos Campos, e viu com os próprios olhos o que tantos diziam ser impossível. Eram dez da noite. Sobre a mesa, uma pilha de contas vencidas; ao lado do teclado, o cachimbo aceso e o café já frio. A televisão estava ligada, transmitindo o Jornal Nacional. A principal notícia era sobre um sequestro-relâmpago ocorrido em um drive-thru na zona sul de São Paulo. Ryoki não comentou nada. Apenas observou, pitou o cachimbo, e começou a digitar.

Nascia ali “Sequestro Fast-Food”, um romance de ação escrito em uma madrugada só, com 195 páginas, protagonizado por um jornalista estrangeiro, uma alusão direta ao repórter que o observava em silêncio. A trama se desenrola com tiroteios, corrupção policial e fuga de carro pelas avenidas da capital paulista. Tudo costurado com elementos reais do noticiário daquela noite.

Moffett acompanhou tudo. Sem entrevistas, sem esboço, sem interrupções. Em sete horas de escrita ininterrupta, Ryoki entregou um livro pronto. Quando o sol nasceu, os dois caminharam até a padaria da esquina. Ryoki, exausto, com os olhos queimando de cansaço. O repórter, perplexo, segurava nas mãos um original recém-nascido e uma prova incontestável.

A dúvida, que tantos cultivavam com desdém, se desfez ali mesmo. O recordista era real. E operava como uma máquina criativa movida por urgência, observação e método.

Ryoki não escrevia por inspiração: escrevia porque precisava. Porque transformar notícia em narrativa era, para ele, instinto de sobrevivência. E porque, mesmo ignorado por seu próprio país, ainda acreditava que contar histórias era uma forma de permanecer vivo.

Mas não frequentava os salões literários. Nunca fez parte das bolhas universitárias. Foi rotulado como “popular”, “de banca”, “descartável”. Enquanto vendia milhares de exemplares, seguia à margem do reconhecimento sem os direitos autorais que hoje são mais possíveis, mas que naquela época eram absolutamente explorados por muitos editores gananciosos.

Literatura como serviço público

Ryoki nunca escreveu por vaidade. Escrevia por necessidade existencial e também por compromisso. Entendia que seu papel era formar leitores, não disputar prêmios, cadeiras ou outras vantagens reveladas e valorizadas pelo eruditismo.

Seu trabalho impactou milhões de pessoas, muitas delas sem acesso à literatura formal.

Ele produziu westerns, romances policiais, thrillers de espionagem, biografias. Tudo com apuro técnico e rigor. Parece que o imediatismo do “mass media” engoliu esse prazer pela leitura, tratou isso como menor. Como produto e não como obra. Buscava produzir tudo com a técnica de um cirurgião e a alma de um poeta operário.

A consequência foi previsível: Ryoki envelheceu fora do circuito, com dificuldades financeiras, dependente da dedicação de sua companheira de vida, a artista plástica Nicole Kirsteller.

Quando o gênio não se encaixa

Autores de valor universal já foram negligenciados em vida: Poe morreu depois de ser encontrado na sarjeta. Tesla, incompreendido e sozinho. Wilde, exilado. Gaudí, atropelado sem ser reconhecido. A diferença é que Ryoki ainda está vivo.

Aos 79 anos, debilitado por uma neuropatia e com a mobilidade reduzida, Ryoki segue trabalhando em sua autobiografia definitiva.

É o testemunho de quem nunca parou de acreditar na palavra. E de quem continua, apesar do esquecimento sistemático.

Não é homenagem. É responsabilidade.

O caso de Ryoki Inoue não se limita ao drama de um artista. É reflexo de uma política cultural que falha em preservar seus autores. É resultado de um sistema que confunde intelectualidade com prestígio e abandona quem produz fora de um padrão.

É também uma provocação: o que significa ser o escritor mais produtivo do mundo em um país que cada vez lê menos, não reconhece e não cuida? A resposta é dura e doa o que doer: significa viver esquecido. Até que seja tarde demais.

Ainda há tempo. Mas não muito.

Ryoki Inoue não precisa de tributos póstumos. Precisa de reparação com urgência. Aos 79 anos, ainda escreve, ainda resiste, ainda tem o que dizer.

Mas o tempo cobra. Ignorá-lo é repetir um padrão que já destruiu outros talentos. Resgatá-lo é um ato mínimo de justiça cultural e talvez ainda dê tempo.

A cada aniversário, acende-se mais do que uma vela: acende-se a lembrança de que é possível ter feito tudo certo e ainda assim, ser deixado à margem. Escreveu com ética, disciplina, talento, entrega. Apesar disso, é como se o país fizesse questão de não ver.

Afinal, sua obra não foi entretenimento. Era missão. O que muitos chamavam de “livros de banca”, ele tratava como acesso à leitura pública. Formação.

Com o cachimbo entre os dedos, escrevia como quem costura mundos. Estudava línguas, armas, costumes, mapas, contextos históricos. Cada livro era um campo minado de precisão. Cada história, uma tentativa de criar conexão.

Ryoki escrevia porque acreditava que a literatura podia salvar. A pergunta, agora, é outra: quem salvará Ryoki?

Aos 79: ainda não é tarde, mas é quase. Não se trata mais de uma efeméride. Nem de nostalgia. Trata-se de vergonha nacional. Como pode o autor mais produtivo do planeta viver com tão pouco? Como pode a cultura brasileira seguir apagando o que arde com luz própria?

Graças ao amor incansável da artista plástica Nicole Kirsteller, sua companheira há mais de 50 anos, Ryoki ainda respira. Ainda sonha. E prepara, com esforço sobre-humano, sua autobiografia definitiva.

Será um soco no estômago dos indiferentes. Um espelho para os cultos de ocasião. Um grito contido por décadas. Uma chama capaz de reaquecer o respeito pela palavra escrita.

Apoiar não é caridade. É reparação, como já dissemos. A luta não é por vaidade. É por justiça. E é coletiva.

Escrever sobre Ryoki Inoue não é homenagear um homem. É provocar uma reflexão coletiva sobre o que estamos fazendo com aqueles que pensam por nós. Com aqueles que ousam dedicar a vida à produção intelectual, mesmo quando tudo conspira contra.

Ryoki é mais que um recordista. Ele é a última fagulha de um tempo em que escrever ainda era um ato de fé. Se não o celebrarmos agora, não será apenas ele que irá apagar, seremos nós. Leitores.

Acamado há mais de 5 anos, escritor recordista da literatura ainda vive. Foto: Arquivo Pessoal.Como apoiar esse legado

Se você compreende o valor desse fenômeno da literatura e se reconhece nesse incômodo silencioso de ver tudo sendo engolido pela pressa e pelo esquecimento, há formas reais de apoiar.

Acesse o site oficial do autor www.ryoki.com.br e contribua com a campanha para a publicação da autobiografia.

Também é possível adquirir os itens de sua coleção pessoal, como seus icônicos cachimbos, objetos que acompanharam cada página escrita. E conheça a receita secreta de seu tabaco pessoal, que agora pode ser revelada pela primeira vez.

Doe qualquer quantia via PIX: ryoki@ryoki.com.br e faça parte da lista de apoiadores de Ryoki Inoue.

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