Contudo, esse mesmo povo tem uma outra característica: é extremamente utópico. Pensa e crê em fantasias como se estas fossem realidades sólidas, comprováveis e factíveis.
Já por essa razão, devemos considerar um primeiro ponto de equilíbrio entre os dois contendores: tanto há esperança como defende-se a utopia.
Temos fé que, para esta luta, a platéia não continue a seguir a teoria proposta por Ludwig Wittgenstein em seu Tractatus Logico-Philosophicus, em que ele afirma que o homem se encontra numa sala e dela precisa sair; só que todas as portas são falsas – pintadas na parede. O homem tenta exaustivamente abri-las, mas é claro que não consegue. E – pior – não consegue ver que a única porta verdadeira está atrás dele. Para ganhar a liberdade, bastaria virar-se.
Mas a utopia – as portas pintadas – tem um aspecto mais bonito, parece mais atraente… E o homem insiste, tenta abri-las. Num relance, olha para trás, vê a porta verdadeira, mas despreza-a: uma porta com aspecto de velha, com a maçaneta grosseira e enferrujada jamais poderia ser a saída para a luz…
E ali estão as outras, todas novas, reluzentes, parecendo chamá-lo. Uma delas tem de ser a saída, ora bolas!
Esquece-se o homem de que a luz advém das trevas – a dualidade das coisas está aí para comprovar: só pode haver conceito de luz se confrontado com o de escuridão.
Mas voltemos ao nosso ringue. No corner vermelho, a utopia e no verde, a esperança. Ambos os contendores já disseram e alardearam possuir golpes mortais, fortes o bastante para levar o adversário a beijar a lona. Os analistas de plantão – leia-se comentaristas do tipo que preferem dizer quadrilátero em vez de ringue – afirmam que a utopia há-de derrotar a esperança usando os seus próprios pontos fracos. A imensa maioria baseados no passado, em lutas anteriores, em contendas que, correta ou incorretamente, foram vencidas. Já a esperança acredita na vitória por nocaute já nos primeiros minutos do embate. Conta, para isso, com uma fraqueza escarrada do adversário: falta de jogo de pernas – leia-se alicerce intelecto-cultural.
Ao mesmo tempo, parece – aos outros comentaristas, aqueles que são pelo menos um pouco mais preparados – que a esperança possui uma melhor capacidade de absorver golpes. E não tem queixo de vidro. Prova disso está no fato de até mesmo seu preparador ter chegado a desacreditar em sua vitória e ter até dado a impressão de estar buscando, junto à utopia, uma segurança, uma aliança ainda que subliminar ou, se quiserem, uma garantia de que não viria a ser perseguido em tempos posteriores.
Mas temos de ter fé… No mínimo a mesma fé que tem a esperança de que conseguirá encaixar um direto na utopia, pondo-a completamente fora de combate.
E nós, na platéia ao lado do córner verde, estamos torcendo para que a utopia, ao ser atingida, continue seguindo a teoria de Wittgenstein, ligeiramente modificada: sobre aquilo que é indefensável, é mais aconselhável calar.
E, em seu silêncio, acabará por mostrar e expor o queixo de vidro ou o fígado – este, que já deve estar bastante prejudicado – para o golpe de misericórdia, o cruzado de direita que, definitivamente, fará com que ela, a utopia, vá para o lugar de onde jamais deveria ter saído, ou seja, o chão com toda a sua poeira.