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Historinhas Inesquecíveis

Historinhas Inesquecíveis

Por Flávio Tiné, Jornalista profissional desde 1962, quando começou na Última Hora, Recife. Seu último emprego foi como assessor de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, onde ficou 21 anos. Antes, trabalhou em duas outras assessorias de imprensa: Siemens e Unibanco. Já havia passado por diferentes experiências como repórter e redator na Editora Abril, O Estado de S. Paulo, Diário do Grande ABC, A Gazeta e Diário do Comércio e Indústria. Escreveu três livros: “Pois não, Doutor”. sobre o HC; “Viver Tem Remédio”, crônicas, e “As Boas Lembranças da Luta”, em que repassa acontecimentos ligados a efêmeras atividades políticas. Foi casado durante 10 anos, tem dois filhos e seis netos.
  1.  Vejo-me na única padaria do lugarejo às cinco da matina para comprar pão. Meu avô me puxa pela mão para buscar pão saindo quentinho do forno, enquanto a água fica esquentando no fogão a lenha para fazer o café. Tinha menos de dois anos. Ainda me lembro da padaria de seu Manuel, vulgo Nezinho.
  2. Vejo-me diante da cadeia pública de Gravatá, onde o Tenente Cleto Campelo tombou em 18 de fevereiro de 1926. Ele soltava presos de qualquer categoria com a ideia de juntá-los à Coluna Prestes. Soltou presos em Jaboatão, Moreno, Vitória de Santo Antão e quando chegou em Gravatá foi morto por engano pelos homens que o ajudavam.
  3. Fazia um curso de cabo almoxarife no Parque de Aeronáutica de São Paulo quando fugia aos domingos pulando o muro que o separava de Santana. Pegava o bonde até a cidade e ia para o auditório da rádio Globo, na rua das Palmeiras, para ouvir Ângela Maria, Nelson Gonçalves e outros cantores. Para não pagar transporte nem entrada, ia fardado. Na volta, caminhando pela rua Antônio de Godoy, nas proximidades do Quartel General da Aeronáutica, notei que estava sendo seguido por um oficial. Inicialmente imaginei tratar-se de assédio, algo comum na região. Enfurecido, um capitão me enquadrou e deu a bronca: soldado não pode soldado andar com as mãos no bolso. Era noite. Voltei ao quartel quase chorando.
  4. Bebericava no Jogral, famoso bar de Carlos Paraná, de vez em quando me encostava ao companheiro de banco, com o qual brindava carinhosamente. Passada euforia, percebi: o vizinho era Vinicius de Moraes, frequentador do animado boteco da rua Avanhandava.
  5. Em agosto de 1964, ao desembarcar de uma Kombi com outros nove ou dez caruaruenses que vinham fazer compras no Brás, me hospedei num hotel da rua Cavaleiro, no Brás, e disparei telefonemas pedindo emprego. Horas depois apareceu um conversível último tipo, dirigido por Caio Graco Prado. O pai dele, Caio Prado Júnior, mandara me convocar para ficar como hóspede na casa dele até arrumar emprego. Fui ou não um pau de arara diferenciado?
  6. Fui à pré estréia de um filme no Cine República, que contava com a presença de Martine Carol. Sem dinheiro no bolso, aguardei a chegada da estrela, ajudei-a a sair do carro e a conduzi ao interior do cinema como uma espécie de segurança. Em seguida, assisti ao filme (cujo nome não me lembro) gratuitamente. Tudo foi possível porque estava fardado.
  7. Tancredo Neves estava internado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), do qual eu era assessor de imprensa. Cerca de 1.200 jornalistas estavam inscritos no meu caderninho, com respectivos telefones e nome do órgão que representavam. Alguns passavam 24 horas nas cadeiras, onde comiam e dormiam para não perder um furo. Aprendi a arte de informar sem dizer nada, atender sem comprometer a instituição e contornar obstáculos sem tripudiar de ninguém. O assessor de imprensa de fato era Antônio Brito. Passei uns 45 dias como office boy.
  8. Repórter da Última Hora do Recife sofria os maiores perrengues, mas usufruía noites agradáveis. Ouvia histórias de Ariano Suassuna na casa do escritor Gastão de Holanda, de quem era amigo pessoal e admirador, ou tomava chope com José Wilker ou Nelson Xavier, entre outros, no Savoy, famoso bar da avenida Guararapes. Na redação, trabalhava lado a lado com Aguinaldo Silva, na época de menor de idade.
  9. Frequentava a casa de ilustres personalidades pernambucanas, como Hiram de Lima Pereira, Paulo Cavalcanti (secretários de Miguel Arraes quando prefeito do Recife) e o líder das Ligas Camponesas, deputado Francisco Julião. Mas não confessava admiração por suas lindas filhas. O máximo que conseguia era servir de segurança de uma delas, Zodja Pereira, levando-a às aulas de balé no Teatro Santa Isabel, sob a alegação de que ela corria perigo andando sozinha pelas ruas do centro. Via os ensaios, pelo menos, e a levava de volta pra casa. Ganhava almoço antes de ir para a redação de UH-N.
  10. Em outra oportunidade, ao conseguir beijos ardentes de uma das meninas que tanto admirava, ela admitiu, sincera ao extremo, que fechava os olhos e pensava em meu irmão, Adelmo Tiné, à época apresentador da TV Jornal do Comércio – um galã, portanto. Enquanto eu lhe fazia sonetos, a jovem me usava, digamos, ao pé da letra.
  11. Era redator das revistas técnicas da Editora Abril (Química Moderna, Máquinas & Metais e Transporte Moderno) quando anunciei, eufórico, a aquisição de minha primeira geladeira. Um dos curiosos perguntou de quantos pés e não hesitei: quatro, ué. Não sabia que se tratava de capacidade. A resposta virou piada, fui transferido para a revista Intervalo.
  12. Estava em Portugal um ano depois da chamada Revolução dos Cravos e só havia vaga no trem de volta a Paris uma semana depois. Resolvi procurar um amigo de Caruaru, que supunha morar lá. Sabia que ele era funcionário do Partido Comunista e seu nome era Manuel. Ocorre que havia uns dez partidos comunistas e Manuel é o nome mais comum no país. A cada dia estourava uma bomba em algum lugar, jornal ou partido político. Nenhum estranho era recebido, pela desconfiança ainda vigente um ano depois da democratização. Fui obrigado a desistir da procura. Anos depois reencontrei Manuel Messias da Silva em Olinda, onde mora até hoje.
  13. Mantinha o que se chamava de amizade colorida por determinada secretária da redação. Para tirar qualquer dúvida, enrolava o máximo, babava ao prometer recompensas. Até o dia em que ela ficou grávida. Alguém fora além de mim.

Jornalista profissional desde 1962, quando começou na Última Hora, Recife. Seu último emprego foi como assessor de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, onde ficou 21 anos. Antes, trabalhou em duas outras assessorias de imprensa: Siemens e Unibanco. Já havia passado por diferentes experiências como repórter e redator na Editora Abril, O Estado de S. Paulo, Diário do Grande ABC, A Gazeta e Diário do Comércio e Indústria. Escreveu três livros: "Pois não, Doutor". sobre o HC; "Viver Tem Remédio", crônicas, e "As Boas Lembranças da Luta", em que repassa acontecimentos ligados a efêmeras atividades políticas. Foi casado durante 10 anos, tem dois filhos e seis netos.

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