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O preço do seu sangue

Crédito: Mohamed Hassan/Pixabay

Vender o plasma do sangue pode ser uma realidade no Brasil. Proposta de Emenda à Constituição quer permitir doações através de setor privado.

Você faz o seu agendamento em um centro de doações. Vai até o local e, enquanto ouve uma música ou assiste TV, uma equipe realiza o procedimento de retirada do seu sangue com o intuito de utilizar o plasma, uma porção liquida do sangue muito útil para a produção de medicamentos em todo o mundo.

No fim do processo, você recebe um cartão com um saldo em dinheiro e pronto: você fez uma doação remunerada.

Crédito: Mohamed Hassan/Pixabay
Crédito: Mohamed Hassan/Pixabay

Essa realidade, muito comum em países como Estados Unidos e Alemanha, está em pauta para ser discutida no Congresso Brasileiro e tem causado uma série de controvérsias.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 10/2022) prevê a mudança nas regras de doações de plasma no país, visando a comercialização desse material para a produção de hemoderivados sanguíneos, utilizados no tratamento de doenças, transfusões e produção de medicamentos. É como se o sangue fosse fracionado em pequenas partes e delas são extraídas as proteínas necessárias.

A proposta defende a mudança com base em dados solicitados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público (MP) que apontam um desperdício de 597.975 litros de plasma de 2017 a 2020.

Atualmente a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras) é a responsável pelo processamento do plasma sanguíneo no país e o texto defende que o órgão não tem a capacidade de suprir as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, a ampliação da produção e até a comercialização do plasma ajudariam no atendimento da demanda. No Brasil, a venda de órgãos é proibida pela Constituição Federal.

A Hemobras, com o apoio do Ministério da Saúde, se opôs à comercialização do plasma humano. Para a empresa pública, a PEC abre caminho para um aspecto comercial da doação. Há o medo de que as empresas privadas, ao pagarem pelas doações, causem o esvaziamento dos bancos de sangue públicos, além do encarecimento dos tratamentos, já que o plasma viraria uma mercadoria no país. A empresa ainda defende que os argumentos da PEC já são ultrapassados e que deve haver o fortalecimento da hemorrede e não uma reorientação de uma política que vem tendo sucesso nos últimos anos.

Esse tema me lembrou o recente caso da campanha de doação de sangue que a cantora Ludmilla promoveu em parceria com o Hemorio. Todos que fizessem a doação ganhariam um ingresso para o seu show. Na ocasião até fiz um tweet elogiando a ação, dizendo que a remuneração, mesmo que não em dinheiro como nesse caso, poderia incentivar pessoas a irem talvez pela primeira vez em um banco de sangue e talvez, depois, fazer com que sejam doadores recorrentes.

Hoje, vendo a complexidade desse sistema e as inúmeras brechas que podem existir em um afrouxamento da lei, penso que é importante ter muita cautela na discussão dessa PEC. Na questão de saúde, o Brasil não é muito semelhante a outros países como os citados no texto e isso não significa que seja atrasado ou errado, pelo contrário, ele desponta como modelo a ser seguido. Temos um sistema de saúde que é exemplo e, apesar de suas inúmeras falhas e espaço para melhoria, ainda é igualitário para todos os brasileiros.

Crédito: montuno/Visualhunt.com
Crédito: montuno/Visualhunt.com

Se o problema chave que a PEC traz para a resolução é a capacidade de processamento do plasma no Brasil, talvez a Hemobras esteja correta em sugerir o investimento na ampliação da sua produção, já que é um órgão público sem interesse comercial.

Abrir caminho para uma exploração financeira de recursos do nosso corpo podem afetar classes mais baixas e trazer um desequilíbrio no sistema inteiro.

Uma pessoa precisando de dinheiro poderia realizar doações que, se não forem controladas ou limitadas, afetariam sua saúde de maneira profunda. Já olhando do lado do Governo, basta pensar que doações públicas (sem ganhos), concorrendo com doações privadas (remuneradas) ficariam muito aquém do necessário e seria preciso a intervenção financeira do Poder Público para a manutenção do seu estoque. Isso seja do sangue, plasma e seus derivados. A consequência certamente seria a demora no abastecimento e dificuldade no acesso aos tratamentos devido ao aumento do preço. Há um caminho delicado à frente e é preciso análise cuidadosa de nossos representantes para que a aprovação dessa lei não seja prejudicial a muitos em benefício de poucos.

Jornalista brasileiro vivendo na região de Nova York. Dedicado à fact-checking, política e assuntos globais. @fewmoura

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