Reportagem: Gabriela Ferigado
Na teoria, startup é uma empresa de base tecnológica, com um modelo de negócio escalável, que possui elementos de inovação e trabalha em condições de extrema incerteza. Na prática, o Brasil conta com mais de dez mil empresas desse segmento que levantaram aportes de aproximadamente R$ 1,7 bilhão somente em 2012. Iniciativas como Peixe Urbano, Buscapé e Netshoes vão na contramão desse cenário de insegurança.
De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), de 2.580 projetos cadastrados na entidade, 5% são da área de mídia e comunicação. Já bastante difundido em países como Estados Unidos, sobretudo pela presença no Vale do Silício, esse mercado é relativamente novo por aqui, mas já há quem acredite que seja o “futuro da mídia”, principalmente pela crise que a profissão enfrenta e pela mudança no fazer e consumir jornalismo. A busca pelo pote de ouro, literalmente, se dá por definir um modelo rentável de negócio.
Segundo Guilherme Junqueira, diretor-executivo da ABStartups, o “boom” dessa atividade aconteceu em 2012. No ano seguinte ganhou maturidade, principalmente no mercado de investimentos, e 2014 entra como um ano chave. O Programa Start-Up Brasil, criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), deve selecionar mais 100 iniciativas este ano para fortalecer o empreendedorismo no país.
“As startups são a grande resposta para os próximos dez anos da mídia. Todos estão começando a perceber que, para não ficar para trás, é necessário acompanhar essa movimentação. Temos alguns exemplos de grandes companhias investindo em estrutura própria para atuar nessa área. É o caso do Grupo RBS, maior afiliada da Rede Globo, que lançou a e.Bricks Digital, e o Grupo Abril, que criou a aceleradora Abril Plug and Play”, afirma Junqueira.
A parceria da Abril com a Plug and Play, sediada no Vale do Silício e que já apoiou os gigantes PayPal, Google e Dropbox, começou em fevereiro deste ano e terá como foco projetos que apresentem soluções para problemas reais utilizando plataformas móveis. “Se temos que identificar novas oportunidades digitais, nada mais apropriado do que beber na fonte das startups. Outra motivação é provocar o status quo no modo de fazer negócios na Abril, introduzindo a cultura empreendedora de assumir riscos e testar hipóteses”, explica Rogério Tamassia, responsável pela operação.
Com base em São Paulo, a e.Bricks investe em empresas com faturamento acima de 30 milhões (growth stages), nos segmentos de mídia digital e tecnologia, e-commerce e mobile, e também lançou um fundo dedicado a operações iniciantes (early stage). Hi-Mídia, Pontomobi, Guia da Semana, Wine.com.br, Lets e Startupi são alguns dos nomes que já usufruíram desse apoio.
Desde 2008 no ar, a Startupi é um veículo on-line que discorre sobre startups, tecnologia, inovação e negócios relacionados. Além do portal de conteúdo, desenvolveu outras frentes de atuação em eventos, educação e inteligência de negócios. Ao todo são vinte investidores, entre eles estão: Redpoint e.ventures, Initial Capital e Bolt Ventures. “Nascemos como uma empresa que daria condições para o mercado de startups se conectar, pois ninguém falava disso. Nosso projeto foi muito bem recebido. Fomos contatados por investidores estrangeiros que estavam vindo para o Brasil e colaboramos com o desenvolvimento de alguns negócios”, conta Diego Remus, diretor da Startupi.
A equipe hoje é composta por seis pessoas fixas e diversos colunistas, e os investidores também fazem parte da rotina e das decisões.
Caminho das pedras
Diante de tantas dúvidas, há uma certeza entre os que respiram esse universo: o antigo modelo de negócio para lucrar com mídia está cada vez mais perdendo sua força. Hoje as publicações não são os únicos canais de informação e as redes sociais adquirem grande parte das verbas publicitárias. “Todo mundo está tentando se reinventar, e o próprio cliente já está saturado de formatos como banners, AdWords etc. A forma de gerar receita vai muito da criatividade dos empreendedores de entender seu público e monetizar em cima disso”, completa Junqueira.
Para lucrar com projetos de mídia, o diretor da ABStartups aponta dois modelos rentáveis. O “Lead Generation”, na tradução literal “geração de oportunidades”, é vender um possível cliente para um sistema de afiliados. Por exemplo: um portal de conteúdo faz um guia de viagem com dicas de roteiros. Quando o leitor clica no post, ele pode ser direcionado para sites de agências de viagens etc. Caso a compra seja feita, volta para o veículo alguns centavos desse valor. Outro formato é o “White Label”, ou seja, um produto feito por uma empresa que revende para outras e fazem parecer como se estas o tivessem produzido.
Para dar continuidade ao seu projeto de jornalismo colaborativo, Felipe Gazolla, CEO do Youca.st, diversificou suas atividades. Fundada em 2011, o Youca.st é uma agência de notícias que abastece meios de comunicação com imagens e vídeos captados por cinegrafistas amadores. Em 2012, o projeto foi selecionado pela aceleradora Wayra, ligada ao Grupo Telefônica, e, com o aporte, investiram na ampliação da plataforma para deixá-la mais robusta.
“A ideia era que os veículos de comunicação comprassem o material e, assim, remuneraríamos esses cinegrafistas. Como, por enquanto, é algo que não se mostrou viável, buscamos outras formas de monetização para manter a essência do colaborativo. Por isso estreamos uma assessoria de imprensa, que gera lucro para nós”, diz.
Atualmente, a startup faz coberturas para eventos específicos e terá uma ação especial para a Copa do Mundo. Apenas durante os protestos no Brasil de junho e julho do ano passado, a plataforma recebeu mais de 15 mil materiais, entre vídeos e fotos.
Veia empreendedora
O estudante de jornalismo da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Comunicação (FCSAC), do Vale do Paraíba, Georges Kirsteller Ryoki Inoue, analisa o mercado desde 2010. Decidiu, em 2012, desenvolver sua própria incubadora, a Web Startup. Para não perder dinheiro e manter as iniciativas, aproveitou as ocorrências de resultados no Google e ofereceu serviços e publicidade. “Dessa forma, consigo experimentar diferentes nichos. É assim com o Temporada de Inverno, uma revista digital sobre moda, turismo e esportes radicais. Ou ainda, as publicações eletrônicas como o Vale Jornal, Vale Shimbun e Vale Publicar que também se tornaram plataformas sustentáveis de um projeto em early stage sobre jornalismo colaborativo”, completa.
A Web Startup já conta com mais de vinte projetos, e, no momento, Georges estuda algumas propostas. “Apesar de contar com colaboradores especializados em diversas formações, incluindo pesquisadores, jornalistas, historiadores, sociólogos e filósofos, o mercado regional ainda mostra certa resistência com este modelo, já que falta mão de obra qualificada para vender publicidade e serviços editoriais”, diz Inoue.
Cursos e cadeiras de jornalismo “empreendedor” têm se tornado cada vez mais comum nos Estados Unidos. Entre as novas diretrizes curriculares do curso no Brasil, que devem ser implantadas até 2015, está a proposta de atividades que estimulem o “espírito empreendedor”. Para Felipe Gazzola, da Youca.st, o jornalista é um profissional que lida com a divisão “Igreja x Estado” e entende que buscar soluções pode quebrar a sua ética jornalística.
“Estamos estudando novas formas de gerar conteúdo para a profissão continuar existindo. O empreendedorismo pode abrir novas portas, sem precisar dos grandes grupos de mídia. Se mais profissionais investissem nesse mercado, esse levante seria forte o suficiente para mudar a perspectiva das pessoas”.
Fonte: Revista Imprensa, Maio 2014