Nota do Editor
- Para sair da bolha formada na grande mídia e disseminada nas redes sociais, todo jornalista deveria fazer um exercício de consciência, sem comprar discursos prontos e fáceis para pertencer a um grupo.
O despreparo dos entrevistadores de Glenn Greenwald me remeteram à teoria da Espiral do Silêncio, evidenciando o papel que as grandes mídias têm em manipular a opinião pública diariamente
Um dos episódios mais recentes e que está levantando discussões nas redes se refere à entrevista do premiado jornalista investigativo Glenn Greenwald, editor do The Intercept Brasil, para o Programa Roda Viva da TV Cultura. Trata-se do jornalista que ficou reconhecido internacionalmente pelas denúncias sobre o programa de espionagem da NSA repassadas por Edward Snowden, e que atualmente recebeu e publicou o conteúdo das mensagens entre investigadores e o membros do alto escalão responsáveis da Operação Lava-Jato.
O programa deixou claro o despreparo dos entrevistadores jornalistas, que mal fizeram a lição de casa sobre o histórico do entrevistado para levantar questionamentos minimamente contundentes e mais lembraram jornalistas da época da ditadura, mostrando o desconhecimento das diferenças básicas entre o papel do judiciário, do jornalista e da polícia.
Com isso, perderam uma ótima oportunidade de fazerem questionamentos relevantes que contribuíssem com o debate ao invés de apenas fazerem o contraponto “ideológico” a que eles se colocam a serviço.
Vou utilizar a ocorrência do programa de segunda-feira para fazer um paralelo à teoria da Espiral do Silêncio, fundamentada pela socióloga Elizabeth Noelle-Neumann a partir das pesquisas de opinião pública no período eleitoral de 1965 na Alemanha.
Nesta fase, durante a maior parte da campanha, os índices de indicação do voto se apresentavam estáveis, indicando empate entre os dois partidos. Mas no último momento, a partir do período em que foi divulgado o resultado das pesquisas na mídia, a preferência foi radicalmente inclinada para o partido que levava vantagem nas pesquisas, que acabou ganhando as eleições.
Novamente, em 1972, a campanha eleitoral desenvolve-se exatamente igual a 1965. Os dois partidos, o Partido Social Democrata e a União Democrata Cristã, estavam igualados quando se faziam perguntas sobre intenções de voto. No entanto, a expectativa de vitória atribuída ao Partido Social Democrata ia crescendo semana após semana, com somente um retrocesso ao longo do período.
No final das eleições, no último minuto, se dá uma grande reviravolta para o partido vencedor, no caso, o Partido Social Democrata.
A partir deste ponto de partida político, a pesquisadora recorreu a intelectuais como Lazarsfeld, sociólogo interdisciplinar que estudou matemática, psicologia e a comunicação; Tocqueville, na revolução francesa; Rousseau; David Hume; Martin Luter King; Maquiavel, entre outros estudiosos no mundo todo para encontrar visões que pudessem acrescentar à elaboração da sua teoria do silêncio.
Além disso, Neumann também utilizou, para o fundamento de sua teoria, pesquisas empíricas feitas pelo Instituto de pesquisa Allensbach sobre diversos temas, a fim de medir as opiniões que envolviam o reconhecimento da Alemanha Oriental entre 1965 e 1971.
Temáticas que envolviam questões comportamentais desde “Você concorda que é preciso bater nos filhos na educação?” até “Você é a favor do aborto” ou legalização das drogas.
Os resultados deram luz ao fenômeno que ela captou como a espiral do silêncio de forma consistente – a capacidade humana de perceber os “climas de opinião” majoritária e minoritária e inclinar-se naturalmente para as opiniões predominantes, seja porque os personagens dessas opiniões são mais atuantes e abafem as opiniões da minoria, seja porque preferem silenciar-se diante de uma possível desaprovação.
Mas principalmente e junto a isso devido a uma característica humana fundamental – o desejo do pertencimento e o medo do isolamento.
Essa necessidade de acolhimento é tão grande que muitas pessoas silenciam-se em nome de sentirem-se parte do grupo, e preferem não apresentarem suas opiniões diante do risco de sentirem-se sozinhas. Esta teoria do silêncio pode fazer valer em diversos campos de atuação.
No caso dos jornalistas da entrevista do Roda Viva, a impressão que dava é que aqueles profissionais haviam combinado um discurso e um tipo de questionamento.
Fiquei pensando sobre qual seria o clima atual nas redações dos principais veículos e emissoras de notícias em que deve predominar um perfil “tarefeiro”, ou tecnicista, com pouco espírito crítico, alvo fácil para reproduzir um discurso com pouco questionamento.
Este mesmo tipo de profissional foi àquele que atuou na grande mídia e que trabalhou no período eleitoral. Qual seria a imparcialidade dessa cobertura?
Para qualquer profissional que estudou jornalismo, foi e é fácil acompanhar a irresponsabilidade e erros grosseiros na cobertura política e a escolha dos temas relevantes que merecem ganhar espaço, especialmente na televisão, que pouco espaço dá ao telespectador para uma resposta.
O perigo das bolhas
Trazendo para os dias atuais e para minha experiência de vida e profissional, entendo que apesar das mídias sociais aparentarem uma certa autonomia e liberdade de pensamento, pois qualquer um pode criar um seu canal no Youtube, acredito que atualmente vivemos em bolhas, e são bolhas rígidas. E digo que isso acontece tanto nos grupos que se dizem de esquerda bem como os que se dizem de direita.
Pela minha trajetória de vida e a minha própria origem, e mesmo a minha busca como ser humano me fizeram trafegar por diferentes grupos com uma grande diversidade de opiniões. E é muito fácil perceber que em todos os grupos existe aquele discurso pronto que facilmente dominam as opiniões da maioria.
Inclusive nos grupos que se autodenominam de esquerda, que teoricamente se alinhariam a valores progressistas sobre diversas temáticas, pude acompanhar grande desconforto ou falta de abertura para se auto avaliarem em relação a temas como feminismo e racismo aplicados na prática, por exemplo. Quantas mulheres, inclusive eu, e durante quanto tempo, nos silenciamos em todos os grupos?
Filha de família com origem no campo, com raízes profundamente ligadas à terra, também trânsito por grupos do meio rural, que no geral, também vejo grande negligência para lidar com temas como sustentabilidade, vegetarianismo e mesmo machismo, para não citar outros.
Em todos os lados, a tese da espiral do silêncio está atuando a todo o momento, o que coincide com essa característica central humana de querer pertencer.
Creio que todos os jornalistas, e todos aqueles que desejam atuar em qualquer atividade das áreas humanas, ou mesmo em qualquer área, deveriam fazer o exercício de consciência, sem comprar discursos prontos e fáceis para pertencer a um grupo. Isto pode custar alguns desafetos, mas certamente as relações se darão de forma mais sinceras e verdadeiras.
Indico o livro da Elizabeth Noelle-Neumann – A Espiral do Silêncio, para todos os jornalistas e para todos aqueles que desejam tentar sair de suas bolhas e ser um humano e profissional mais alinhado a seus propósitos de vida.