Ao se discutir a DC, é preciso considerar que todo o material produzido parte de cientistas, jornalistas científicos ou sem formação específica e, atualmente com os blogs, entusiastas do mundo da ciência. Dado que a Escola é a responsável principal para a inserção das pessoas no conhecimento científico, depois dos livros didáticos e das salas de aula, a DC é, provavelmente, a principal fonte de obtenção de conteúdos da ciência.
Esses materiais podem, hoje, ser acessados por websites, redes sociais, filmes e programas de TV, além de revistas e jornais. Em geral, trazem informações de forma bem mais objetiva e simplificada do que um artigo científico, com o intuito de facilitar a leitura e alcançar diferentes tipos de públicos. Em decorrência disso, surge o maior dos problemas…
Na tentativa de serem muito abrangentes e “livrar” o leitor das complexidades das pesquisas científicas, os autores ficam facilmente expostos a caírem na má DC. Ao tentar reforçar a importância da ciência, é fácil encontrar materiais de divulgação que destacam a ideia do “cientificamente comprovado”. Além da imagem da ciência como detentora da verdade absoluta, corre-se o risco de concepções errôneas serem consideradas verdadeiras (Dunwoody, 2008). Assim, perpetuam-se concepções equivocadas, como a do sol ser considerado uma bola de fogo (Pawlowski, Badzinski et al., 1998), que as nuvens se abrem para soltar a água da chuva (Henriques, 2002), ou que a humanidade descende diretamente do macaco (Pazza, Penteado et al., 2010).
A linguagem desempenha um papel fundamental na produção textual da DC, e fazê-la de maneira adequada mostra-se ser o maior dos desafios. Como simplificar sem perder o rigor ou induzir a erros? Como tornar atraente algo cuja validade e reconhecimento exigem um conjunto de conhecimentos distantes do cidadão comum? Essas e outras perguntas estão no âmago da qualidade da DC.
Quando se pensa na DC profissional, na qual jornalistas se especializam ou vivem dessa produção específica, muitas vezes, contorna-se o problema da técnica, mas recai-se no problema do mercado. Isso porque não há limites para o que é escrito em textos, roteiros ou em notícias científicas. Ao se pensar nesse segmento, que cresce a cada ano com a proliferação dos blogs, percebe-se que ele é dependente do valor notícia. Os “valores notícia” no jornalismo são definidos como o conjunto de elementos, princípios e valores por meio dos quais o sistema informativo que controla e gerencia o fluxo de informações sobre os eventos procederá à seleção de notícias (Epstein, 2008). Ocorre que, dada a forma com a qual nossa sociedade está construída, o sistema de comunicação de massa visa, quase que exclusivamente, o capital. Assim o que é noticiado acaba por ser tornar dependente do quanto aquele assunto tem potencial “de venda”. Com isso, um “valor notícia” importante para a DC, como a possibilidade de auxiliar o cidadão a tomar decisões bem-informadas, infelizmente, perde espaço para o “valor de venda”.
Para Epstein, além da ligação rápida e fácil com o sensacionalismo, a refutação e as novas teorias possuem valor notícia bem maior em relação a algum acontecimento que, ainda que importante para a ciência, seja menos raro, polêmico ou sensacional. Assim, quanto mais impactante é a informação científica, maior é a sua “noticiabilidade”.
Ainda segundo esse autor, na construção da notícia há o uso de certas informações retiradas de outras. E ele afirma que, devido a esse processo, uma notícia que tem caráter de novo para os jornalistas pode, às vezes, ser classificada como sensacionalista na área científica.
Sem dúvida existem outros fatores que tornam a DC problemática. Entretanto, ressaltamos aqueles que nos parecem ser mais centrais. Nesse cenário, é fácil perceber o quanto a DC está suscetível a maus usos ou descuidos, podendo causar impactos negativos na população.
Mas como fazer uma boa divulgação científica?
Não há uma única resposta para essa pergunta. Em 2014, foi realizada a Naturejobs Career Expo, em Londres, para discutir essa e outras perguntas acerca da DC5. Com pesquisadores e editores da revista Nature e do canal BBC, discutiram-se as dificuldades de se tornar um “divulgador científico”, desde o aspecto da carreira (não definida profissionalmente, pouco remunerada e instável) até “dicas” para pesquisadores descreverem suas pesquisas para jornalistas. De maneira geral, o ponto mais importante ressaltado no evento foi o cuidado no momento da transposição do resultado cientifico para o texto não-acadêmico.
Acreditamos que é preciso sempre se ter uma vigilância epistemológica, diminuindo o “valor noticia” em textos de divulgação. Ainda que o desejo seja atrair o leitor, a ciência não pode ser pensada com lógica do mercado de notícias, evitando-se assim o sensacionalismo que vende. Autores de DC precisam ter consciência de que fazem uma adaptação e não uma simplificação. Nesse processo, é preciso refletir sobre as intenções e impactos do que será dito. Ao se entender que jovens parecem ser mais atraídos pela DC do que pelos livros didáticos, é necessário reconhecer a importância e a responsabilidade daquilo que se divulga, ainda mais em um país como o Brasil. Somente por meio de uma reflexão crítica do que se produz é que se pode garantir que as possíveis má consequências serão minimizadas.
Embora a divulgação científica contribua para uma maior aproximação entre ciência e sociedade, quando esta é feita de modo descuidado ou tendencioso pode haver consequências bastante indesejadas. E necessário ter em mente não só todo o potencial da divulgação científica para atrair e engajar o público leigo, como também que ela pode ser fonte de estereótipos negativos da ciência e de graves erros conceituais. Para minimizar tais problemas é preciso uma atenção maior e especial, tanto de jornalistas quanto de cientistas, ao modo de fazê-la. É preciso que essa atividade seja melhor reconhecida no meio acadêmico, a fim de formar profissionais mais competentes em produzi-la de maneira adequada e correta.
Trecho do trabalho científico The consequences of bad science communication, por Guilherme Brockington e Lucas Mesquita, publicado na Revista da Biologia (2016) 15(1):29-34.
Fonte: Revista da Biologia (ib.usp.br/revista) em http://www.ib.usp.br/revista/system/files/v15f1_0.pdf
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