Header ad
Header ad
Cortando o silêncio em uma rede de pertencimento

Cortando o silêncio em uma rede de pertencimento

Nota do Editor

  • Há histórias que não se dizem. Se sentem no gesto, no suor, no silêncio entre um ponto e outro. Veja o espelho e a cura através do esporte. Aqui, o jogo não quer medalha, mas continuidade.
Existe uma forma de curar silêncios que não passa pela fala. É mais crua, mais corporal. Vem no som seco do saque, na respiração presa antes do passe, no recomeço de cada jogada.

No Nitro Volleyball, cada treino é também uma sala de espelhos, onde o corpo se revê, onde memórias voltam, onde a vida inteira se reorganiza.

Ali, mulheres que haviam deixado o esporte tocam de novo suas próprias histórias. Crianças descobrem que o grupo pode ser abrigo. Homens aprendem, muitas vezes pela primeira vez, a escutar. A errar. A sentir.

Na periferia de uma metrópole marcada por desigualdade, evasão escolar e carência de políticas públicas, o Nitro Volleyball consegue ser mais que um projeto esportivo. Tornou-se um grito de continuidade, um gesto contra o abandono. Fundado em 1999 e reestruturado em 2017 pelo ex-atleta André Emidio, o centro de treinamento aposta na coletividade como antídoto à exclusão.

Enquanto a maioria dos centros esportivos elitiza o acesso, o Nitro vai na contramão: acolhe iniciantes, veteranos, mães, pais e filhos, oferecendo estrutura, técnica e vínculo emocional. São mães com joelhos gastos, pais voltando do turno, veteranos com sede de recomeço. E ninguém é menos por começar de novo.

Basta assistir cinco minutos de um treino. Não é só bola no ar. É reencontro com a infância. É corpo saindo do exílio. É gente se autorizando a existir. A quadra virou chão firme pra quem só conhecia instabilidade. Lugar de pertencimento pra quem nunca teve lugar nenhum.

A frase nos muros resume tudo: “Ter talento é mero detalhe.” E é mesmo. Porque o que se cultiva ali não cabe em ranking. São trajetórias em movimento. Crianças que voltam a sorrir. Jovens que param de se ferir. Adultas que, entre um ponto e outro, choram, riem, e seguem jogando.

André Emidio conhece cada dobra dessa quadra. Chegou a atuar profissionalmente e trabalhou no setor financeiro até decidir se formar em Educação Física. A ideia era atuar com atletas paralímpicos. Mas o destino, como ele diz, “mudou a quadra”: um reencontro com ex-colegas do extinto clube Nitro Química reacendeu uma fagulha. “Começou com um treino, uma brincadeira entre amigas. De repente, tinham dezenas procurando a gente. Não foi planejado. Foi o destino me puxando de volta às raízes.”

Mais que um nome, uma linhagem

O nome “Nitro” não foi uma escolha nostálgica. Foi um resgate. Uma ponte entre o que ficou e o que ainda pulsa. “A Nitro Química formou mais que atletas: formou famílias. Eu conheci minha esposa lá. Hoje, temos dois filhos e dirigimos juntos o projeto”, conta André. O antigo clube se foi, mas o espírito permaneceu. A Nitro hoje é outra. Maior, mais plural. Mas a herança está viva, nos filhos dos ex-atletas que agora vestem o moletom da nova geração. “Escolher esse nome daria conversa pra uma tarde inteira. É memória, é afeto, é identidade.”

“Ter talento é mero detalhe”

Logo na entrada do centro de treinamento, a frase se impõe como provocação e filosofia. “Aqui, ter talento é mero detalhe.” O que vale é o processo. É a escuta. É o reencontro. “A gente não está aqui pra formar atleta olímpico. Mas, se formarmos cidadãos conscientes, respeitosos, que saibam votar e ouvir o outro, nossa missão está cumprida.”

O esporte vira ferramenta de socialização, saúde mental, construção de vínculos. E se o aluno não brilha em quadra, pode brilhar em outras áreas e será celebrado por isso. “Já vi aluno deixar de se automutilar. Já vi aluno parar com os remédios. Já vi adolescente que antes não falava, agora conseguir apresentar um trabalho na frente da turma.”

  • nitrovolei-4
  • nitrovolei-5

Da infância à maturidade: cada corpo é um território

Com mais de 520 alunos, o Nitro organiza as turmas por nível técnico, não por idade. Há crianças de sete anos e adultos de cinquenta dividindo espaços de treino. As categorias respeitam perfis pedagógicos: aulas lúdicas para os pequenos (Kids), inclusivas para os adolescentes (Teens), colaborativas para os veteranos (Master), e competitivas nos “Subs”.

A metodologia respeita a singularidade: cada grupo tem um professor especialista. “O professor do Master trabalha com escuta, com reencontro. O do Kids, com ludicidade e vínculo. A gente não força o atleta a se encaixar, a gente encontra o lugar onde ele já pertence.”

  • nitrovolei-8
  • nitrovolei-7

A estrutura também acompanha essa proposta de cuidado: há materiais variados: birutas, elásticos, quadros táticos, tablets e planos de treino em constante evolução. Além disso, um aplicativo conecta pais, alunos e direção, com contratos, boletos, histórico de frequência e mensagens. Tudo pensado para que o aluno não se perca na rotina e sim se encontre nela.

Além de tudo, a Nitro investe em ferramentas de qualidade. “Hoje contamos com alguns parceiros, eles nos ajudam na aquisição de material e na implementação de unidades. Por muitas vezes contamos com o apoio dessas empresas para também fazer nossa filantropia. Sabemos da existência de outros projetos de vôlei que são totalmente gratuitos e ficamos felizes em poder ajudá-los com a doação de bolas, acessórios e tênis. Acreditamos que a Loja do Treinador também deve pensar dessa forma porque oferece material com as melhores condições, isso facilita o desenvolvimento pleno da modalidade, sem perder a qualidade dos treinos uma vez que os materiais são de primeira linha.”, reforça André.

  • nitrovolei-1
  • nitrovolei-2

Um projeto com contrato… e coração

Embora o Nitro funcione com mensalidades, há dezenas de alunos bolsistas. E o critério vai além do talento: exige envolvimento escolar e familiar. “Não barramos ninguém por nota ruim. Mas chamamos os pais pra conversar. Mostramos que o vôlei pode ser moeda de troca: ele quer ir pros Subs? Ok. Mas está sendo um bom filho? Está respeitando o avô? Está melhorando na escola?”

Cada bimestre, uma reunião com responsáveis. Cada promoção, um pacto de confiança. “O pai é quem autoriza a subida de categoria. Isso vira um ciclo bonito. O esporte como ferramenta de responsabilidade.”

As marcas que o jogo cura

André conhece cada história. E carrega algumas como cicatrizes partilhadas. Mais que rendimento, o foco é transformação. Um dos casos mais marcantes é o de Tiago, um aluno autista que, junto à equipe e à psicóloga do projeto, encontrou no vôlei um canal de expressão e pertencimento. “Tem aluno que chega com marcas no corpo e outras mais profundas. Às vezes não é o talento que chama atenção, mas a mudança no olhar”, relata André.

Outros não se destacam em quadra, mas são lembrados com brilho nos olhos por seus pais. “O menino que hoje conseguiu regular o sono. A garota que agora sorri. O adolescente que sente que faz parte de algo.”

O reencontro das que voltaram inteiras

O master feminino talvez seja a síntese mais potente do projeto. Mulheres que deixaram a quadra décadas atrás para serem mães, esposas, profissionais, voltam agora com outros corpos, outras dores, mas com o mesmo amor. E voltam mais fortes.

“Elas jogam, erram, choram, riem. Dividem histórias. São potentes. Mostram que nunca é tarde pra recomeçar. Nem pra fazer as pazes com o próprio corpo.”

 

  • nitrovolei-6
  • nitrovolei-3

A Zona Leste como espinha dorsal

O projeto nasceu em São Miguel Paulista, mas hoje tem sedes na Vila Carrão e Vila Matilde. Ainda assim, o DNA é leste. “Na Zona Leste, ninguém tem estrutura como a nossa. A escassez existe. Mas o que nos falta em verba, a gente compensa em afeto, técnica e verdade”, diz André. Com filas de espera e crescimento orgânico, o Nitro hoje é referência em um território onde quase tudo é escasso, menos a potência de recomeçar.

Para além da quadra, uma comunidade viva

Mesmo com tecnologia e planejamento, o que sustenta o projeto é vínculo. É escuta. É afeto. “A gente acredita na relação entre treinador e atleta, mas também entre famílias e escola. A confiança dos pais nos permite ir mais fundo. Incluir sem expor. Cuidar sem invadir.”

Perguntado sobre como se define, André hesita: “Não sei se sou treinador, gestor ou agente social. Talvez tudo isso junto. O que sei é que o esporte tem o poder de moldar gente boa. E nisso, a gente está acertando.”

Legado sem troféu

Ao final de cada treino, há algo que se constrói no invisível. Não dá pra medir com medalhas. Mas está ali, no silêncio das meninas que pararam de se cortar, no abraço entre gerações, no moletom que veste pertencimento.

O Nitro não é só sobre vôlei. É sobre o que não cabe no placar. Sobre não deixar ninguém para trás. E sobre o tipo de vitória que ninguém precisa gritar para ser sentida: a de se saber parte. A de se sentir possível.

“Se ao final de tudo, cada aluno sair daqui sabendo respeitar regras, votar com consciência e cuidar do outro, já valeu.” — André Emidio


Fonte: Loja do Treinador / Vale Jornal | Fotos: Arquivo / Divulgação

Principal site de Jornalismo Colaborativo, destaque no Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIII / Prêmio Expocom 2016 e referência em startups de jornalismo na 300ª edição da Revista Imprensa em 2014.

Outras Publicações

SiteLock