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Olhos sem Tarja

Olhos sem Tarja

eduardofaria
Eduardo Faria, autor do livro reportagem “Olhos sem Tarja”

Depoimentos de quem enxerga a depressão

Depois de vencer a etapa regional do Intercom na categoria produção em livro-reportagem e participar do Congresso Nacional de Comunicação, jovem obstinado e seguidor confesso de Eliane Brum, Eduardo Faria inicia sua carreira no jornalismo literário com a mesma subjetividade e leveza de pensar da jornalista: “Ser repórter é aprender a olhar e escutar”. Assim, observando o sofrimento da alma e entendendo a ausência de outras, o recém-formado jornalista se apresenta aos leitores com a obra “Olhos sem tarja – depoimentos de quem enxerga a depressão”.

O livro em questão é resultado de um trabalho de conclusão de curso que chamou a atenção tanto pela qualidade de produção como também o conteúdo acerca de um assunto que afeta a todos nós.

olhossemtarjacapaTrabalhando na área administrativa do Hospital Municipal de São José dos Campos, Eduardo Faria viu diariamente que a saúde pública do país não possui estrutura suficiente para lidar com a doença da depressão que será cada vez mais comum no futuro. Formado pela Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes, esse jovem já tem muito o que contar.

Leia a seguir uma entrevista com o autor:

livroeduardofariaJC – Como surgiu a ideia de escrever sobre esse tema? Você já teve depressão?

EF – Minha primeira experiência de trabalho foi dentro de um hospital. Claro, em 2006, aos 18 anos, eu não tinha a dimensão do que todo aquele universo representava para mim. O Hospital Municipal de São José dos Campos é referência em atendimento no Vale do Paraíba, recebe centenas de milhares de pessoas de vários bairros, com diferentes diagnósticos e oferece quase todo o tipo de atendimento. Nos primeiros anos em que trabalhei, não percebi que, apesar de todo aporte em especialidades, um profissional em questão não atendia no hospital: o psiquiatra. Isso eu só fui perceber alguns anos mais tarde, quando um familiar próximo precisou de atendimento. Eu tinha contato com as fichas de atendimento. Muitas pessoas que recorriam ao hospital com queixas e sintomas de ansiedade e depressão eram encaminhadas para outra unidade de acompanhamento especializado: a Saúde Mental. Quando os sintomas da depressão se apresentam de modo mais grave, fazendo com que a pessoa tente contra a própria vida, elas são encaminhadas, de carro, pela própria unidade. Mas, quando não, essas pessoas deixam o hospital por conta própria com um Diazepam no estômago, receitado por um clínico geral. Isso sempre me chamou a atenção. Eu convive com casos de depressão na família, passados por pessoas muito próximas. Via o sofrimento de conviver com a doença. De falar da doença. E o peso que o diagnóstico de depressão representa na vida de uma pessoa, muito por conta dos tabus que envolvem às doenças psiquiátricas. Por não tem forma, acredito, e por ser tão subjetiva, a depressão é pouca compreendida. Quando algo foge da nossa compreensão é comum nós repelirmos, nos fazermos indiferentes e maximizar uma visão preconceituosa.

Você acreditaria se eu dissesse que mesmo dentro de um hospital há preconceito em relação a doença? Eu presenciei casos de profissionais que eram “mal vistos”, mal compreendidos por estarem com depressão. Estou falando de auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiras e até mesmo médicos. Poucas pessoas compreendiam, poucas pessoas tentavam entender, respeitar. Curiosamente eu participei de uma jornada de psicologia promovida pela Hospital em 2011, na ocasião fiquei impressionado com tudo que me foi apresentado sobre a doença. Em 2012, quando iniciei a graduação em jornalismo, sempre soube sobre o que eu queria falar. Sabia a quem eu queria dar voz e ser voz. Acredito que o livro nasceu de uma insatisfação por meio de uma observação e contato com inúmeros casos de depressão.

JC – Olhos sem tarja é um livro de depoimentos mas que também fala sobre resiliência? Como você aborda esse assunto?

EF – O livro “Olhos sem tarja – depoimentos de quem enxerga a depressão” é, antes de mais nada, um produto resultante de um trabalho acadêmico TCC, para obtenção do grau em jornalismo. Antes de iniciarmos a produção, nós desenvolvemos um embasamento teórico no qual abordamos sobre “qual é o papel do livro-reportagem na descoberta de pessoas que representam uma época”, a partir daí, traçamos as principais características de impacto para discorrer sobre o tema em um livro. Então, optamos pela entrevista perfil e uso da literatura com intuito de humanizar os relatos através do uso de metáfora e figuras de linguagens, tão decorrentes para uma pessoa que sofre de depressão dar formas aos sentimentos causados pela subjeção da doença.

No livro nós trazemos inúmeros casos e desdobramentos da depressão. O que liga os personagens é única e exclusivamente o diagnóstico. Mas a forma como que cada um lidou e lida com a doença é muito particular. Temos casos de uma personagem que, após anos sofrendo com a doença, abandona o tratamento e as medicações, presta vestibular aos 50 anos de idade e dá uma outra perspectiva para sua vida. Trazemos também a história de uma blogueira que tem depressão há alguns anos, e ao mesmo tempo que se ajuda expondo suas dores existências com a doença, também ajuda outras pessoas que passam pela a depressão. Falamos sobre a auto medicação provocada pela dificuldade no tratamento que envolve, entre outras questões como a falta de atendimento especializado na rede pública de saúde, também a dificuldade financeira ao arcar com tratamentos paralelos (como o acompanhamento terapêutico e psicoterapêutico) tão importantes durante o tratamento.

O livro também faz um alerta quanto a gravidade da doença e a necessidade de falar e despertar a atenção para o tema. Abordamos esse assunto através da entrevista de uma mãe que perdeu a filha para a doença. Mesmo sendo de uma família de classe média alta da cidade de Suzano, no Alto Tietê, e ter passado pelo melhores médicos e feito uso dos medicamentos mais modernos, a jovem, aos 22 anos, abriu de sua vida e suicidou-se.

Optamos também por trazer, ao término do livro, duas entrevistas com profissionais (um médico e uma psicóloga) para contextualizar e responder alguns questionamentos que sugiram após a entrevista. Entre eles, a dificuldade de aceitação e busca de ajuda para enfrentar a depressão. Além disso, na entrevista com médico e pesquisador da Universidade de São Paulo, Dr. Wang Yuan Pang, nós falamos sobre a influência do meio (sociedade) em que vivemos para o desenvolvimento da doença. O médico participou de uma pesquisa chamada “São Paulo Mega City”, no qual associa o índice de pessoas que sofrem com ansiedade e depressão nas grandes metrópoles (nesse caso considerando a cidade de São Paulo e a grande São Paulo) ao índice de pessoas com as mesmas patologias que vivem em áreas de grande conflitos com a Síria e o Líbano. Quando falamos em depressão, estamos falando de uma doença que atinge mais de 350 milhões de pessoas no mundo. Somente em São Paulo grande São Paulo, mais de 2 milhões de pessoas sofrem com a doença. Desse número, uma parcela ínfima consegue tratamento especializado ou mínimo para superar a depressão.

JC – Quem foram os principais responsáveis pela realização desse projeto? Você investiu sozinho na publicação ou conseguiu patrocínio? 

EF – Eu contei com a auxílio do Cauê Maldonado, minha dupla no tcc, que me auxiliou, principalmente, com sugestões nos textos e nas fotografias. Não conseguimos investimento para uma grande publicação. Fizemos poucas edições (15), somente para apresentação do trabalho. Também temos consciência que precisamos aperfeiçoar a alinhar algumas coisas no livro, já que foi escrito em curto prazo, para ser passível de publicação. A ideia é aperfeiçoá-lo e disponibilizá-lo gratuitamente da internet.

JC – Qual depoimento você poderia destacar em sua obra? Comente a respeito?

EF – Não conseguiria destacar um depoimento um específico. O livro é um todo. Um todo composto por particularidades tão pessoais que seria injusto dar ênfase em algum relato. Cada ser humano lida com suas dores de existir de uma maneira muito pessoal. Mas tem os que desistem. E mesmo que seja triste, é preciso respeitar essas escolhas. Como um livro-reportagem, não se trata de um livro de autoajuda. Ele é uma obra de pura realidade, a partir das experiências pessoais de cada entrevistado.

 

JC – Você recebeu algum apoio da universidade ou dos professores para participar do Intercom e do Congresso Nacional?

EF – Quem me apresentou o Intercom foi uma professora que passou pela Universidade em que estudei (Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes). Em 2014, ela nos incentivou a participar do congresso a fim de crescer e se desenvolver naquele universo tão particular de pesquisas que envolve o evento. Na ocasião viajamos para Vila Velha, ES, para apresentar a produção de uma revista, concorrendo na categoria revista laboratorial impressa. Infelizmente, por parte da Universidade mesmo nós nunca tivemos incentivo. Como a inscrição para o congresso tem que ser realizada pela instituição, eu procurei à coordenadora do curso para que ela me ajudasse com isso. Participamos primeiro na categoria regional, na cidade de Salto, no interior de São Paulo, concorrendo na categoria produção em livro-reportagem. Fomos selecionados entre mais de 600 trabalhos inscritos em toda região sudeste, entre universidade públicas e privadas. Ganhamos.  Então fomos classificados a disputar o Congresso Nacional que aconteceu na ECA USP. Na etapa nacional, concorremos com os melhores livros produzidos por alunos de universidades das regiões: norte, nordeste, sul e centro-oeste.

JC – Como foi essa experiência e o que ela representa para você?

EF – Participar do congresso em si, já é uma satisfação e um aprendizado muito grande. Nesse ambiente de pesquisas temos a oportunidade de avaliar nosso grau de aprendizado, acompanhar outras linguagens e grades de outras universidades. Fazer amizades, criar vínculos, fazer contatos… È uma pena que pesquisas em comunicação sejam tão pouco exploradas e valorizadas. Digo isso pelo que eu vi e passei. Universidades públicas têm participação de peso nesses eventos, ao contrário das universidades particulares.

Para participar do Intercom você precisa criar o paper e, caso selecionado, precisa estruturar uma boa apresentação para que tenha chance de “ganhar” o congresso. No meu caso eu fiz tudo às escuras. Não tive orientação nem no paper e nem na apresentação. Escrevi e revisei com o auxílio do Cauê.

JC –  Quais outros trabalhos da região na área de Jornalismo que você conheceu durante o Intercom e que você gostaria de destacar?

EF – Concorri com trabalhos muito bons nas duas categorias. No regional, por exemplo, havia um livro de um estudante chamado “Memórias da Terra do Fogo”, que ele traz a sua experiência e memórias de quando passou um período no Azerbaijão. Concorri, ao todo, com 8 livros. Não tinha grande expectavas, em primeiro lugar por ser um trabalho sem grandes pretensões e puramente intuitivo. Eu não tive teoria alguma em literatura ou linguagem de jornalismo literário, a Braz Cubas não oferece essa disciplina na grade. Porém a leitura sempre fez parte minha rotina. Também me sentia inseguro por mistura jornalismo de saúde com literatura. Não sei, não estava confiante. Embora estivesse muito feliz com a indicação, mas acima de tudo por ver um trabalho feito em curto tempo sim, mas com muito cuidado, atenção e carinho, dando certo. 

JC – O Congresso Nacional reuni diversos comunicólogos de todo o país. Como você avalia a organização do evento? 

EF – Não tenho nada o que falar do evento, a não ser em relação a sua importância para os profissionais e futuros profissionais. Além de conhecermos muitos teóricos que fundamentaram nossa vida acadêmica, podemos observar o seu discurso na prática. É um crescimento incrível. O Intercom é o maior congresso de comunicação do país, com braços internacionais. Por incrível que pareça, nesta edição, o nordeste e a região norte estavam em peso. Todos com o mesmo objetivo de participar e provar de tudo aquilo. Além de tudo é uma energia e uma troca indescritível.

JC – Você acredita que as faculdades da região deveriam investir em projetos de alunos de graduação ou você acha que o Trabalho de Conclusão de Curso deve ser encarado apenas dessa maneira?

EF – Qualquer trabalho de prático, bem fundamentado, seja de TV, rádio, impresso… enfim, qualquer trabalho acadêmico é passível de participar de um congresso. Não somente o TCC. Vejo que falta engajamento, gás e um empurrão por parte de muito docentes. Claro, sem o interesse do aluno as coisas também não andam. Mas o professor deve despertar ao menos a curiosidade e o interesse. Quando ao investimento no tcc, sim, as universidades deveriam investir, com certeza. Eu não sei como as universidades do Vale encaram o tcc, se valorizam ou não. Com base na Universidade que eu estudei, em Mogi, se não fosse por insistência, meu trabalho também seria só mais produto para trocar com o diploma. Eu estendi meu curso por seis meses para poder concluir o livro. Como aqui eles dividem um semestre para monografia e outro para o produto, eu me perdi no tempo. Muito por conta da falta de tempo. Eu trabalha numa rádio em São Paulo, entrava às 6h da manhã. Acordava às 3h para pegar o primeiro trem das 4h. Eu não tinha muita vida. Mais de 60% de tudo que escrevi no meu TCC (monografia e livro) foram rascunhados na CPTM.

Coincidentemente – ou não, o reconhecimento no Intercom veio no mês em que nos voltamos à prevenção ao suicídio, com o “Setembro Amarelo”. A depressão é, em muitos casos, porta de entrada para uma atitude tão desesperada e definitiva. É preciso falar de depressão. Sempre.


Saiba mais sobre o Intercom e o Congresso Nacional. Leia também:

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