Nota do Editor
- Um mergulho plural nos sentidos da fé, da espiritualidade e das heranças sagradas que moldam consciências e civilizações. A abordagem estendida percorre cada doutrina com atenção às fontes originais, valorizando a escuta, a ancestralidade e o impulso de reconexão com o que é invisível, essencial e atemporal.
Especial – Religiosidade
Se todas as respostas estivessem na lógica, não haveria tantas orações em silêncio. A religião não morreu, apenas mudou de corpo.
O século XXI começou com pressa e segue seus dias com ansiedade. Nenhum algoritmo explica o buraco que ainda se sente no peito. Por mais que se empilhe tecnologia, refutem e se neguem os deuses, o humano segue implorando por algo que justifique estar vivo. E, no meio desse caos desordenado, a religosidade inerente ao ser humano encontrou caminhos para substituir e satisfazer essa necessidade de manifestar não apenas o respeito a Deus e ao panteão de santos, mas também de procurar um contato mais íntimo com os objetos e entidades de devoção.
Não é mais questão de templo, cruz ou altar. A religião agora acontece no atravessamento. No gesto, no choro contido, no arrepio de algo que ninguém vê. O que antes era hierarquia virou fluxo. O que antes era medo do inferno virou busca por integração. Não se trata de fé no sobrenatural, mas de reintegração ao natural profundo. Aquele que pulsa em tudo, mas que a civilização abafou com culpa, conquista e conveniência.
O Cristianismo ainda é o livro mais citado e menos compreendido da história ocidental. Entre seus desdobramentos, o Catolicismo e o Protestantismo seguiram rotas distintas: um ancorado na liturgia, outro na pregação. Ambos, contudo, enfrentam o mesmo colapso: perderam o sagrado no excesso de fala. Quando tudo é pecado, nada é milagre.
O Judaísmo preserva uma memória de pertencimento que sobreviveu ao exílio e ao genocídio, não pela força de seus rituais, mas pelo pacto interno entre os que acreditam. O Islamismo, por sua vez, não é o que se pinta no Ocidente: é entrega diária ao invisível, à disciplina do invisível, ao sopro de um Deus que se repete em nome, mas se revela em silêncio.
O Oriente tentou outras formas. O Hinduísmo aceitou todos os deuses, o Budismo negou todos. Ambos descobriram, à sua maneira, que o ego é a principal prisão. O Taoísmo, o Zen e o Xintoísmo rejeitaram até o conceito de divindade para se fundir com o fluxo, não um deus acima, mas um caminho dentro.
E há ainda os que invocam o que se tentou esquecer: o Espírito. Da Umbanda ao Espiritismo, do Candomblé ao Xamanismo, o que importa não é o nome do guia, mas o vínculo que se estabelece com aquilo que não se mede em lógica. O sagrado aqui não se aprende: se incorpora ou transcende.
No subsolo de tudo isso, crescem outras formas de espiritualidade que não cabem em religiões. O neoxamanismo, o renascimento psicodélico com raízes na Ayahuasca e em medicinas da floresta, reencena rituais milenares com linguagem contemporânea. Há quem veja moda. Há quem veja “só” cura. Mas o que existe, de fato, é a tentativa desesperada de reconexão em um mundo doente, desconectado de sua própria origem.
Reconexão com o corpo, com a memória ancestral, com os ciclos da natureza, com a “Presença”. Palavra tão banalizada e tão ausente no cotidiano que atropela. Ali, nas cerimônias de cura, o que se rompe é a ilusão da separação. A planta ensina o que os livros tentaram esconder: que o divino não se adora, se vive. Se respira o milagre da vida.
Religião, no fim, não é sobre crer. É sobre lembrar. Lembrar-se da própria origem. Lembrar-se de que existe algo maior que a própria vontade. Lembrar que tudo está interligado e que nada é por acaso, mesmo que nunca se entenda o motivo.
E talvez seja esse o maior ensinamento de todas as doutrinas: quando tudo se cala, ainda há uma oração sussurrando em alguma parte da alma.
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