Header ad
Header ad
A revolução parte das mulheres negras
A revolução parte das mulheres negras

A revolução parte das mulheres negras

Angela Davis é aplaudida por 15 mil pessoas no Parque Ibirapuera

“Quando uma mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se move junto”, ecoou a frase de Angela Davis para uma plateia de 15 mil pessoas no Parque Ibirapuera, nesta segunda-feira (21), durante sua oitava viagem ao Brasil.

Uma plateia colorida e diversa que representa o Brasil que tem sede por mudanças aplaudiu de pé a chegada da escritora e ativista, numa imagem projetada num telão que invadia e confortava com palavras de esperança.

Entre “broncas” e projeções, sua voz soava como uma alento, ao lado de sua tradutora Raquel Souza, a historiadora Raquel Barreto, da escritora Bianca Santana e de Christiane Gomes, da Fundação Rosa Luxemburgo, que transmitiam a força de quem vivenciou na pele as agruras de achar o seu lugar e ser respeitada no quinto país que mais mata mulheres, segundo a OMS, sendo que a maioria das mulheres assassinadas por crime caracterizado como feminicídio são negras.

Mais alguns dados – Em 2016, enquanto a taxa de homicídios de mulheres negras atingiu o número de 5,3 a cada 100 mil negras, o de mulheres brancas foi de 3,1 a cada 100 mil brancas. Esses números revelam a diferença de 71,6% a mais de homicídios de mulheres negras assassinadas no país. O que precisa mais para compreendermos a força da opressão de gênero e raça no país que se diz democrático e respeitoso com as diferenças?

Angela falou sobre o sonho de um mundo mais igualitário. “Mas como encontrar um mundo mais democrático se o nosso próprio conceito de igualdade é baseado num homem rico e branco?”. E, ao mesmo tempo, para que direitos iguais se a pretensão é continuar a explorar e excluir?

A revolução parte das mulheres negras

Angela, como outras pensadoras feministas, assim como Silvia Federicci, que acabou de vir ao Brasil para lançar seu livro O ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, revolução e luta feminista, cruzam os conceitos de capitalismo e machismo, e, por último, atualizando a temática racista como base desta exploração – como tão bem explica nossa filósofa brasileira Djamila Ribeiro. De fato, a revolução parte das mulheres negras.

Angela Davis nos lembrou da brasilidade que precisamos encontrar e declarou seu amor ao Brasil. “Quisera eu que tivesse uma Erica Malunguinho no Congresso norte-americano”, referindo-se à primeira deputada trans negra representante no congresso brasileiro.

Reverenciou as intelectuais mulheres negras como a antropóloga e intelectual Lélia Gonzalez, a professora e política Benedita da Silva, a filósofa e fundadora da ONG Geledés Instituto da Mulher Negra Sueli Carneiro e a escritora, romancista e poeta Conceição Evaristo.

“Nós, nos EUA, necessitamos ter acesso a essas escritas, a essas ideias e tradições, muito mais do que vocês necessitam de nossas referências. Eu acredito que é minha responsabilidade fazer com que o trabalho de lutas marcantes dessas pessoas sejam levadas para os EUA”, mencionando também as cantoras negras brasileiras como Elza Soares e Clara Nunes, que configuram entre as “vozes mais vibrantes do mundo”.

Fez uma chamada a todos os presentes sobre a necessidade da participação da causa da mulher negra. “Vocês me permitem lembrar da vasta quantidade de pessoas que compareceram à Marcha das Mulheres Negras em 2015? As mobilizações que ocorrem aqui em São Paulo contra a violência policial racista?”, questiona a filósofa.

Sobre o movimento realizado este ano, escrevi um texto recente para o Jornalismo Colaborativo em “A Marcha das Mulheres Negras“, em que pude acompanhar as vozes das mulheres que pedem por respeito e espaço de poder e decisão na sociedade.

Da mulher negra para temáticas urgentes no Brasil e no mundo

Angela apresentou a visão abrangente das opressões que ocorrem no mundo, e afirmou que o Brasil pode ser um exemplo desta transformação. “Tive a oportunidade de visitar Preta Ferreira e ela nos narrou toda a luta na qual ela está engajada na moradia do Brasil. Ela está apoiando populações a quem não foi garantido um espaço para quem não pode garantir moradia simplesmente em virtude de sua humanidade”. A cantora Preta Ferreira foi presa durante três meses e meio e foi condenada por extorquir aluguéis de moradores de ocupações.

“Estou muito feliz por poder comemorar, com todos e todas vocês, a liberdade de Preta Ferreira. Mas todas e todos vocês deveriam se mobilizar para apoiá-la durante o julgamento”, defende.

Falou sobre a legitimidade e urgência de movimentos sociais e abordou o tema dos incêndios da Amazônia que tem preocupado as comunidades indígenas que ajudam a preservar todo o planeta.

“O Cacique Raoni diz que vocês destroem as nossas terras e envenenam a terra porque vocês estão perdidos, e muito em breve será tarde demais para modificar. Os povos indígenas por toda a extensão das Américas têm nos enviado avisos durante séculos e nós falhamos por não tê-los ouvido”, afirmou.

Citou e aprofundou sua luta anticarcerária, um dos temas que mais conhece. “A pessoa que ocupa o cargo de presidente neste país diz que a polícia deveria atirar para matar. Eu tenho visto e já tive acesso a estatística que comprova que a violência policial causa a morte de uma pessoa a cada dez mortes e são justificadas pelas guerras contra as drogas. A guerra contra drogas é constantemente evocada para policiais militares e é um apenas um pretexto para matar pessoas negras”.

Ela contextualiza com o processo de encarceramento em massa nos EUA que está diretamente ligada à guerra contra às drogas.

“Nós não reivindicamos uma reforma carcerária. Nós queremos que o sistema carcerário seja completamente extinto. É preciso conscientizar sobre a lógica do racismo. Se algumas pessoas negras podem ser acusadas por traficante de drogas, então todas as pessoas negras que residem em bairros pobres podem ser considerados suspeitas. Este é o pilar fundamental que está no cerne do racismo”.

Lembrou ainda de Agatha felix, criança assassinada brutalmente no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. “Por que uma criança linda negra deveria ser forçada a sucumbir sua própria vida em função de uma política de atirar primeiro antes de fazer perguntas?”.

Evocou o “espírito de Marielle”, para pedir por justiça, lembrando da vereadora assassinada Mariele Franco vereadora assassinada na noite de 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro. “O espírito de Marielle nos deixa a todos imbuídos. Nós somos o legado dela”, afirmou.

COLETIVIDADE

A todo o momento, Angela evocava o poder da coletividade e diz não se considerar uma pessoa especial.“Não é o momento de ‘lacração para empoderamento individual. Juntas e juntos teremos protagonismo´”, afirmou.

A sua história de vida realmente mostra que sua liderança e visibilidade aconteceu devido à sua campanha de liberdade pelo mundo, no ano de 1970, durante sua breve passagem pelo Partido dos Panteras Negras, em que foi acusada de conspiração, sequestro e homicídio, se tornando uma das 10 pessoas mais procuradas do FBI (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos).

A campanha pela sua liberdade ganhou proporções mundiais com gritos de “Libertem Angela Davis” nos quatro cantos do mundo, e, mesmo sem querer, ela se tornou um dos principais nomes da luta antirracista, luta pelos direitos civis, abolicionista penal e do feminismo negro.

Bianca Santana, jornalista e autora de “Quando me descobri negra”, rememorou a experiência coletiva do “maior exemplo de sociedade justa e igualitária – O Quilombo dos Palmares, um grande exemplo de espaço de humanização, produção em coletividade e conexão com a terra”.

“É preciso valorizar outros conhecimentos que estão subjulgados e oprimidos”, lembra a jornalista.

Angela finaliza seu discurso com mensagem otimista. “Apesar de vivenciarmos diariamente a violência, continuamos a superar e vivenciar o prazer, a alegria e felicidade”. Neste sentido, acredito que há muito o que aprender com as mulheres negras do mundo todo, e especialmente, aquelas que estão perto de nós, mulheres que estão presentes no sangue e na vida de cada um dos brasileiros e brasileiras.


Texto “A revolução parte das mulheres negras” e cobertura jornalística de Mariana Vilela

Jornalista humanista, comunicadora e amante das artes. Meus textos em mariana.journoportfolio.com Instagram: @jornalistahumanista

Outras Publicações

SiteLock